Ex-combatente americano mobiliza operação particular para resgatar afegãos

0
81


Com doações e usando experiência de combate em Cabul, americano coordenou ação de resgate com aviões comerciais alugados que retiraram mais de 500 pessoas do Afeganistão na última semana. Ex-militar dos EUA que ajudou a resgatar afegãos em Cabul fala de operação
A história do ex-militar norte-americano Chris Robishaw parece filme. Por 30 anos, e​le foi membro das Forças Especiais dos Estados Unidos, participou de missões secretas, lutou em várias guerras e, para quem conversa com ele, até lembra fisicamente o personagem Rambo — sem a faixa na cabeça e com alguns centímetros a menos. “O Sylvester Stallone também é baixo”, brinca o militar, gostando da comparação com o ator que interpretou, na ficção, um boina verde como ele.
Assim como o astro das telas, Chris criou uma operação mirabolante e arriscada. Usou sua experiência fruto de seis passagens pela ocupação do Afeganistão para, ao lado de outros ex-combatentes, montar uma missão “pirata” de resgate de afegãos. E, enquanto outros ex-militares e espiões criaram projetos parecidos, mas cobrando pela passagem, a ideia dele foi evacuar pessoas gratuitamente, de forma puramente humanitária, usando alguma brecha na pista do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, onde ontem, após uma corrida frenética de resgates nos últimos 16 dias, o último avião norte-americano se despediu de uma guerra de 20 anos, deixando o país nos braços do Talibã.
Centenas de pessoas se reúnem, algumas segurando documentos, perto de um posto de controle em volta do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, capital do Afeganistão, em 26 de agosto de 2021
Wali Sabawoon/AP
O plano foi encampado pela organização não-governamental americana Ark Salus. A proposta era alugar aviões comerciais, chamar pilotos aposentados e usar uma rede de contatos para abrir espaço na pista do aeroporto afegão, criando uma ponte aérea particular, alheia a qualquer governo, para salvar especialmente as famílias e os soldados afegãos que lutaram, ombro a ombro, com Chris e seus colegas.
Uma rede de voluntários se uniu para, em reuniões on-line, discutir formas de ajudar a selecionar os candidatos a passageiros, checando documentos, obtendo permissões, guiando o caminho até o aeroporto e criando uma lista de embarque. A imprensa internacional noticiou que mais de US$ 10 milhões foram arrecadados em doações — não se sabe de quem.
Era uma aposta arriscada, que ainda dependia de outro trunfo: convencer o governo do Bahrein, arquipélago colado à Arábia Saudita e governado por uma dinastia rígida, a receber os refugiados, após uma viagem de três horas. Mais do que lutar pelo abrigo das pessoas e pelo apoio logístico, o desafio seria enfrentar a resistência dos países da região a tomarem publicamente uma posição neste momento — posição que, no caso do apelo feito por Robishaw, significaria passar a mensagem de que o Bahrein estava ajudando a salvar pessoas do Talibã, grupo temido e que passará a ser um novo ator importante na região, de poder e influência indefinidos.
O americano conta que as autoridades do Bahrein, comandadas pelo xeique Mohamad Hamad Mohamad Al-Khalifa, aceitaram ajudar, desde de que forma silenciosa. Houve uma autorização para que a base militar ISA, no deserto do país, onde também funciona um posto dos EUA, recebesse os aviões da Ark Salus. Feito o acordo, a missão de cinema começou a sair do papel, pelo menos por algum tempo.
No total, Chris afirma que organizou quatro voos saindo de Cabul para o Bahrein na última semana. Disse ainda que conseguiu salvar cerca de 650 pessoas do Afeganistão. “Nossa esperança era estender o tapete vermelho para as pessoas que, pouco antes, estavam na porta de entrada da morte e punição pelo Talibã”, disse ele, em entrevista ao G1, no Bahrein.
O plano inicial, de resgatar militares afegãos e suas famílias, não deu certo. Na hora do embarque, a confusão dominou. E embarcou quem apareceu primeiro, sem o critério imaginado. Segundo ele, quem participou da missão está tão traumatizado com o que viu que nem conseguiria dar uma entrevista.
Os problemas, no entanto, estavam só começando. O filme, originalmente de ação e aventura, começou a virar drama. Robishaw e a Ark Salus esperavam resgatar milhares de pessoas. Contavam para a imprensa que dois hotéis luxuosos do Bahrein receberiam imensos grupos de refugiados. Uma operação internacional para usar o dinheiro arrecadado começou a girar. Médicos e psicólogos foram enviados dos EUA para o arquipélago do Oriente Médio.
Após os primeiros voos, o cenário político mudou. O bombardeio perto do aeroporto de Cabul, na última quinta-feira, foi o estopim. Os ânimos foram acirrados na região — e os EUA se fecharam. Minguou a cooperação com a entidade de Robishaw, que dependia do acesso ao aeroporto de Cabul, à base militar do Bahrein e ao posto dos EUA no arquipélago. Pessoas ligadas ao projeto também acreditam que o xeique do país, temendo que os refugiados acabassem ficando em sua ilha, decidiu se afastar da operação e deixar todo o trânsito de passageiros confinado nas mãos dos norte-americanos.
Com as mudanças, Robishaw não conseguiu mais organizar novos voos nem cuidar das pessoas que saíram do Afeganistão — que seriam levadas pela sua entidade dele aos EUA. Para ele, o saldo geral é “incrivelmente triste”.
“Fomos guiados pela nossa obrigação moral de fazer, de fazer bem, de salvar muitas vidas. Então minha emoção inicial ainda é de tristeza”, diz ele. “E acho que minha segunda emoção é a frustração, por a gente não ter conseguido fazer mais. Fiquei frustrado porque nosso plano não foi tão efetivo quanto imaginei”, afirma.
O ex-boina verde, no entanto, sente que, acima de tudo, sente orgulho do que fez. “A gente fez o que parecia impossível semanas atrás. Estou muito orgulhoso da nossa organização, e lisonjeado por ter feito parte dela e pelo bem que fizemos”, explica o ex-militar que, nas horas vagas, também é consultor para filmes de guerra em Hollywood.

Fonte: G1 Mundo